segunda-feira, 23 de março de 2009

Superintendência liberta 280 de fazenda de pinhão-manso no Tocantins

Dona da Fazenda Bacaba, a empresa Saudibras, que produz biodiesel a partir do pinhão-manso, cobrava até água dos empregados. Eles trabalhavam 12 horas por dia. Com os descontos, o ganho não chegava a um salário mínimo

Por Bianca Pyl

Uma denúncia anônima levou o grupo de fiscalização rural da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Tocantins (SRTE/TO) até a Fazenda Bacaba, onde foram libertadas 280 pessoas de trabalho análogo à escravidão. A propriedade pertence à empresa Saudibras Agropecuária e Empreendimentos e Representações Ltda. Os trabalhadores eram responsáveis pela plantação do pinhão-manso, utilizado para a fabricação de biodisel. A fazenda fica no município de Caseara (TO), a 230 km da capital Palmas.

Botinas, facões, luvas e outros Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) - e até a água de beber - eram cobrados pelo empregador. O valor das compras era descontado diretamente dos salários que, por conta da prática criminosa, não chegavam nem a um salário mínimo (R$ 465).

Os funcionários são moradores de Caseara e Marianopólis (TO) - outro munipipio da região - e eram transportados por um ônibus sem licença regular. O veículo estava em péssimo estado de conservação. "O meio ambiente de trabalho era muito ruim e desrespeitava muitos pontos da legislação trabalhista. Por isso optamos pela retirada dos trabalhadores do local", explica Humberto Célio Pereira, auditor fiscal que coordenou a ação na Fazenda Bacaba. Apenas 127 empregados tinham o devido registro na Carteira de Trabalho e da Previdência Social (CPTS).

Nas frentes de trabalho, não havia instalações sanitárias e os trabalhadores eram obrigados a utilizar o mato como banheiro. As mulheres, segundo o auditor, "não ficavam à vontade por causa da presença masculina e passavam até um dia inteiro sem urinar". As refeições eram feitas no chão, sem qualquer espaço adequado ou proteção contra intempéries. "As marmitas servidas pela empresa não eram armazenadas corretamente".

Os fiscais constataram excesso na jornada: os empregados cumpriam até 12 horas por dia. Humberto relatou ainda que trabalhadores foram intoxicados pela não utilização de EPIs na aplicação de agrotóxicos.

Foram lavrados ao todo 35 autos de infração. As verbas rescisórias devidas pela Saudibras chegam aproximadamente a R$ 450 mil. Também será pago o Seguro Desemprego do Trabalhador Resgatado.

Segundo Ari José Santana Filho, advogado da Saudibras, "a realidade dos fatos foi distorcida". Ele nega que a empresa cobrava EPIs e outros artigos básicos dos trabalhadores. Declara, porém, que a empresa tinha "pequenas irregularidades, simples de serem sanadas", como o local para as refeições nas frentes de trabalho e o cinto de segurança do ônibus utilizado.

"O Ministério do Trabalho e Emprego não concedeu prazo para regularizar a situação e foi completamente parcial", opina o advogado da empresa. Ele disse ainda que a Saudibras irá realizar os pagamentos dentro do prazo estipulado pela fiscalização, porém não soube dizer qual o prazo definido.

A ação da SRTE/TO foi realizada em conjunto com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Polícia Federal (PF). O MPT irá mover ação civil pública, além do processo judicial pelo crime de redução de pessoas à condição análoga à de escravos, previsto no Art. 149 do Código Penal.

Pequenos agricultores
Além do crime de trabalho escravo, a empresa Saudibras também causou problemas aos agricultores familiares, principalmente assentados da reforma agrária. A empresa mantinha parcerias com pequenos produtores, por meio da Companhia Produtora de Biodisel do Tocantins (Biotins Energia), que é parceira da Saudibras na Fazenda Bacaba.

O Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis (CMA) da ONG Repórter Brasil esteve no Tocantins para registrar, checar e analisar os impactos sociais e ambientais da produção do pinhão-manso e encontrou um cenário de prejuízos para os pequenos agricultores consorciados.

A parceria entre a empresa e os agricultores começou em 2006. Na época, a Biotins financiou alguns assentados, ajudando na instalação da cultura em áreas de um a três hectares. Contudo, a maior parte dos parceiros tomou financiamentos no Banco Amazônia (Basa) com prazo de dez anos para pagar. A previsão de produção da empresa não se concretizou e, no segundo ano de plantio, a maioria dos agricultores não atingiu a produtividade prevista.

Até julho de 2008, a Biotins havia fechado acordos com agricultores de sete assentamentos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Caseara, Araguacema, Marianópolis, Divinópolis, Pium e Paraíso, todos na região Oeste do Estado de Tocantins.

O agricultor Francisco Alvarista da Silva, do assentamento de Caiapó, em Caseara, recebeu, por exemplo, R$ 66,00 pelos 190 kg de pinhão que produziu em 3,5 hectares. "Pelo que a empresa falou, o pinhão daria muito dinheiro, e fomos pela cabeça deles", disse Francisco ao CMA. Até o ano passado, a divida de Francisco era de R$ 6 mil junto ao banco.

Falta de orientação técnica e de informações, tanto as disponíveis sobre a planta quanto as repassadas aos agricultores, manejo em muitos casos inadequado, problemas de adaptabilidade do pinhão-manso às condições locais, sobretudo clima e solo, explicam os maus resultados da parceria. Mas o prejuízo ficou com os pequenos agricultores e não com a empresa.

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